Monday, March 5, 2018

A PRECEDÊNCIA DA SOBERANIA E DA CIDADANIA

   
     Meus caros leitores talvez não gostem desta minha confissão. 

   Primeiro devo afirmar que não há como contestar o emérito sociólogo e analista político Emir Sader quando trata da polaridade: esquerda/direita.

  Em toda parte, em todas as eras, sempre houve os que eram a favor do poder existente, contra as mudanças, em especial se modificassem o poder e sua composição – a direita.

 Do outro lado, os incomodados com a orientação e composição excludente do poder, o combatia e propunha inovadoras soluções – a esquerda. 

Mas não considero a principal opção, a ser feita por nós, hoje, a escolha entre os sistemas capitalista ou socialista.

Entendo que a primeira questão que temos é sobre a conquista da soberania nacional e, simultaneamente, como construir a cidadania.

Permitam-me discorrer e explicitar estes objetivos, mostrando sua importância no mundo atual, o mundo dominado pelas finanças, pela banca.

O que é soberania?

Poderia responder simplesmente que é a capacidade de decidir sem restrições ou condicionamentos. Mas há um pouco mais de complexidade. Principalmente no mundo de múltiplas influências.

De início, uma questão: a dívida permite soberania?

Consideremos o ambiente internacional. 

Ninguém questiona o poder militar e econômico dos Estados Unidos da América (EUA). Mas o Presidente Donald Trump está recebendo uma série de reações de parceiros, aliados, até de suas colônias, por ter adotado a taxação para importação de aço e de alumínio.

E, observe, caro leitor, ele cumpre o prometido em sua campanha eleitoral, independentemente de seus polêmicos pronunciamentos, que a mídia submissa ao sistema financeiro (banca) busca fraudar, mas está obtendo êxito.

Ele quer tornar os EUA uma potência industrial, gerar emprego no País, no que diríamos, recuperar o país dos anos 1950. A oposição da República Popular da China (China), da Federação Russa pode ser esperada e natural, estão competindo, mas da Comissão Europeia, dos governos alemão e francês, nem tanto. São parceiros e aliados. 

O que se dirá do subserviente governo golpista brasileiro.

A soberania é condição a ser construída e não é fácil. Os avanços que o Brasil já obteve – diria desde os governos militares após Castello Branco – foram desfeitos a partir do momento em que a banca passou a dirigir o País.

Questão crucial para soberania é o desenvolvimento e o controle tecnológico. 

Em especial nas tecnologias do empoderamento nacional no século XXI: 

nuclear, informática, aeroespacial e energética.

 Fomos muito mais longe do que estamos hoje. 

Reconquistar e avançar nestes conhecimentos vai além da área acadêmica, embora indispensável. Precisa unir esforços nas funções estatais e criar o parque industrial que permita, sem controles e restrições estrangeiras, decidir e crescer.

Darei um exemplo, ocorrido nos anos 1980. A Petrobrás tinha seu centro de processamento de dados (CPD) específico para área de exploração de petróleo. Este centro trabalhava com computador alugado a empresa estadunidense. A evolução da sísmica, com levantamento de dados tridimensionais, exigiu um computador com novos e maiores recursos. Foi negociado com o fabricante e, como é óbvio, a empresa que vivia da locação de seus equipamentos teve todo interesse em manter o cliente com receita ainda maior. No momento de celebrar o contrato veio o veto dos EUA. Apenas firmando um protocolo e franqueando o CPD a emissários do governo estudunidense o contrato seria firmado. 

Ninguém me tira da cabeça que foi aí que começou toda a espionagem eletrônica na Petrobrás que municiou, na área administrativa, o agente Moro na criação da Lava Jato e destruição da engenharia brasileira.

Como vemos, a soberania é mais do que um discurso e desfile de tropas.

 Também não se obtém apenas estatizando todos os recursos hídricos e minerais do País.

 Exige um preparo nacional – técnico, político, econômico, de amplo conhecimento de todos – e, como é absolutamente claro, o controle dos recursos naturais brasileiros e a existência do parque industrial que dê autonomia ao País em todas as áreas: das forças armadas, da saúde, da alimentação, da produção e distribuição de energia, do transporte, dos bens estratégicos.

 Considero um absurdo que nenhum equipamento de informática (como já tivemos com os minicomputadores) seja fabricado no Brasil, com tecnologia e mão de obra nacionais.

Também a soberania, no mundo onde o mais importante império é o da banca, do sistema financeiro, não é um subornável Banco Central nem o domínio privado das finanças nacionais que permitirá sua consolidação nem efetivação. 

O sistema financeiro privado nacional, nunca com permissão para o estrangeiro, terá parcela mínima para definidas operações e sempre sob a forma de concessão, revogável.

Retomando o recente caso Trump, quando o porta-voz de uma empresa de bens de consumo sueca é capaz de fazer ameaças – “estamos congelando nossos investimentos (nos EUA)” – vê-se quantas vertentes devem ser administradas para manter a soberania.

A soberania é de tal relevância que deveríamos ter uma vice presidência dedicada unicamente a sua coordenação, integração.

 Também, pela relevância de recursos e necessidade de articular as ações, a Amazônia mereceria um Ministério, no mínimo uma Secretaria Nacional, dentro do rol de órgãos gestores da soberania.

Incluo na soberania as relações exteriores. 

Os exemplos dos EUA e da China, de manterem um país fechado para se desenvolver, ficam cada vez mais difíceis, talvez impossíveis.

 A soberania estaria exatamente na participação nos foros internacionais, nos organismos plurinacionais e não ficar atrelado a uma ideologia ou a um patrão.

 O secretário de Estado de Dwight D. Eisenhower, John Foster Dulles, disse “um país não tem amigos ou inimigos, tem interesses”.

 Só a suprema ignorância coloca o Brasil como agressor a vizinhos sulamericanos ou qualquer outro país por questão de opção política. Mesmos questões humanitárias são complexas pois não se invadem países, reconhecidamente agressores no Oriente Médio, quando estes interessam aos Impérios e à banca.

Passemos à construção da cidadania.

Primeiramente devo esclarecer que a sociedade evolui, há um processo civilizatório, como bem descreveram Nobert Elias, Darcy Ribeiro e outros sociólogos, antropólogos, estudiosos da sociedade humana. Portanto, as condições de cidadania também vão ganhando contornos diferentes, em especial quando problemas gravíssimos, a fome em especial, ficam superados.

O modelo que adoto é uma adaptação de trabalhos da filósofa estadunidense Nancy Fraser (há em português, o artigo “Reconhecimento sem ética?, na coletânea organizada por Jessé Souza e Patrícia Matos, “Teoria Crítica no Século XXI, Annablume, SP, 2007).

Construir a cidadania, como se infere da expressão, é um trabalho permanente que vai sendo alterado, não apenas pelo atendimento de algumas metas, mas pela própria evolução das demandas civilizatórias. Distingo três blocos de ação no projeto. Não há, entre eles hierarquia nem precedências; são todos importantes e devem ser desenvolvidos concomitantemente.

Um bloco denomino: existência.

 É o conjunto de ações que garantem a vida digna de todos os habitantes nacionais.

 Os escravagistas adoram menosprezar o “bolsa família”, mas se calam com os penduricalhos dos membros do judiciário, extremamente onerosos e indignos num país de R$ 954,00 de salário mínimo. Na existência, além dos recursos monetários para alimentação e vestuário, estão a saúde, com a prevenção às doenças – onde estão os projetos de saneamento básico – e o tratamento das enfermidades, a habitação – um aprofundamento dos programas habitacionais criados nos governos Lula e Dilma – o transporte urbano e o laser.

Outro bloco, a consciência, inclui os letramentos de todas as ordens, do conhecimento da língua, das ciências, dos esportes, das culturas e o importantíssimo letramento social, que fará do cidadão um ser consciente de si e do outro.

A consciência também avança na qualificação ou capacitação técnica para que o cidadão possa ser realizar profissionalmente – não apenas industrial, político e administrativo, mas artístico e criador.

O terceiro bloco é a vocalização. 

Este bloco não só exige os instrumentais pertinentes, que o desenvolvimento da informática soberana permitirão, como radical mudança na comunicação de massa brasileira.

 Hoje prevalece o modelo comercial, privado, o que leva à desinformação e à campanhas nitidamente antinacionais.

Apenas como sugestão a debate, todo país seria coberto por três sistemas de gestão para as comunicações de massa, nas transmissões radiofônicas e televisivas: 

o oficial, dos órgão executivos e legislativos, os únicos que tem o respaldo da representatividade popular; 

o público, no modelo das redes públicas e comunitárias de comunicação, na forma de fundações sem fins lucrativos, e minoritariamente, não podendo dispor de mais do que um quinto da audiência, o comercial privado.

Um país soberano e cidadão teria condição de escolher seu sistema político, seu sistema de governo, suas instituições. 

E, como acentuei, com a dinâmica própria de uma civilização que se sofistica, sempre no sentido da  inclusão e da fraternidade.

 Uma civilização pela paz, onde a violência só ocorre por exceção.

Utopia? 

Não, consciência. Mas o mundo se transforma com administradas utopias.

Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado 

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