Saturday, August 19, 2017

DESVENDANDO A ECONOMIA COLONIAL, RAZÕES PARA O IRREDENTISMO

Caro amigo

      Este artigo, abaixo transcrito, é o terceiro tratando das recentes descobertas de historiadores brasileiros sobre aspectos, até então ocultos de nossa historiografia, do Brasil Colônia. Procurei estabelecer um liame entre estes conhecimentos e nossa presente realidade. Por isso anexo os dois artigos anteriores.
Agradeço os comentários. Pedro Pinho pedroaugustopinho@hotmail.com


DESVENDANDO A ECONOMIA COLONIAL, RAZÕES PARA O IRREDENTISMO

Em dois artigos (É culpa do PT, o Partido dos Tiradentes e Temer, um brasileiro ou O silêncio das ruas) procurei apresentar o Brasil colonial, na ótica reveladora que historiadores – majoritariamente com seus doutoramentos obtidos, a partir de 1980, em universidades públicas no Estado do Rio de Janeiro – estão nos descortinando.

O intuito foi pesquisar a possível relação de nossa desdita atual  com o processo que se estabeleceu, desde a chegada dos europeus até o Império, no Brasil. Neste artigo, pretendo refletir, com meus leitores, sobre uma condição revelada pelos trabalhos de Sheila de Castro Faria (Mulheres Forras – Riqueza e estigma social, Revista Tempo, Rio de Janeiro, nº 9, julho de 2000) e de João Luís Ribeiro Fragoso (Homens de grossa aventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio de Janeiro – 1790-1830, Arquivo Nacional, Ministério da Justiça, Rio de Janeiro, 1992): as riquezas dos que não foram incluídos em nossa história, uma riqueza subterrânea, e sua consequência.

Trata-se das africanas forras, oriundas da Costa da Mina, que, do final do século XVIII até o início do Império, formaram um grupo cuja riqueza só era sobrepujada pelos homens brancos proprietários. Nas palavras de Sheila Faria, “homens brancos e mulheres forras foram os os que detiveram as condições mais favoráveis de serem possuidores dos maiores conjuntos de bens ...... os primeiros formaram as maiores fortunas originárias no comércio de grande porte. As forras formaram a elite econômica do comércio a retalho”.

Primeiro, escravas, poderiam estar vendendo em tabuleiros, produtos e alimentos feitos por ela, para ganho dos seus senhores; depois, alforriadas, prosseguiam como donas do negócio e colocavam outras pessoas para as ajudar. Formava-se assim um sistema de venda a varejo que ia da comida a necessidades domésticas: enfeites, rendas, peças de cama e mesa etc. Há um ótimo romance que, misturando ficção e realidade – teve competente pesquisa –, trata desta situação: Um Defeito de Cor, de Ana Maria Gonçalves, Record, RJ.

O modelo civilizatório (Antigo Regime), que a colonização trouxe para o Brasil, vai permear nossos relacionamentos sociais e funcionar como uma “didática colonial” até hoje. Nele a sociedade era constituída de uma casta: a Corte e seus representantes civis e militares, a alta hierarquia da Igreja e das Ordens Religiosas e os adjudicatários dos monopólios da Coroa. Os demais, mesmos os ricos comerciantes que sustentavam a sociedade colonial, não eram objeto de registros e narrativas históricas ou romanceadas. Na terminologia de Boaventura de Sousa Santos, eram “os invisíveis”, ou os “excluídos da apropriação dos bens públicos” (João Fragoso).

Nesta pesquisa dos historiadores brasileiros, os dados surgiram dos testamentos, dos inventários, registros de óbitos, nascimentos, casamentos, e  do cruzamento destas informações com registros econômicos, que serviam de base para os impostos, os dízimos e toda uma série de dados até então excluídos da história oficial.

Um dos pontos de embarque dos escravos era o porto (feitoria, fortaleza) de São Jorge da Mina, onde hoje é a República de Gana (antiga Costa do Ouro). O estudo de Sheila Faria centra-se nas mulheres forras da Mina, as negras africanas embarcadas naquele porto. Os falares daquela área eram, especialmente, os das línguas Akan. Lá, as mulheres dedicavam-se ao comércio, o que persistiu ao longo dos séculos, como observei, trabalhando em áreas do Golfo da Guiné, nos anos 1980. Eram mulheres ricas, constantemente viajando, com roupas caras e muitas joias de ouro, para o interior de Gana ou para os países vizinhos (Costa do Marfim, Togo) em razão de seus negócios.

Em 15 de agosto de 2017, o Ministro da Justiça (!) do governo golpista de 2016, declarou que 16% do Produto Interno Brasileiro (PIB) estavam na “economia informal”, no subterrâneo da economia. Isto no século XXI, com amplos recursos da informática, com as facilidades tecnológicas para acompanhamento e controle econômico e financeiro. Pode-se, então, imaginar o que acontecia nos séculos XVIII e XIX. Pessoalmente acredito que sejam bem maiores as receitas não contabilizadas nos atuais registros oficiais.

João Fragoso cita os trabalhos de Ciro Flamarion Cardoso e Jacob Gorender para questionar a “excessiva ênfase na transferência do excedente colonial e a impossibilidade de acumulação endógena”. E, na transcrição de Gorender (O escravismo colonial, Ática, SP, 1978):

“Na medida em que os agentes da organização da produção sejam capazes de pagar a aquisição dos fatores importados de que careçam, nesta medida o modo de produção se revela também capaz de reprodução e o processo de reprodução tem natureza genuinamente endógena”.

Fechamos assim um aspecto do Brasil Colônia que mostra, de um lado, a invisibilidade do maior contingente populacional, como, ainda hoje, ocorre com as populações apenas conhecidas de estatísticas demográficas, fora das análises econômicas, da assistência social e do mundo político. De outro uma economia existente à margem do oficialismo, o que pode justificar a ausência de revolta quando são tirados direitos de cidadania aos pertencentes do mundo da economia formal.

Fica uma questão: onde foi parar, com o Império, a fortuna das africanas forras? Dissolveu-se ou foi apropriada por outro segmento? Ainda não encontrei uma resposta conclusiva. Vilmara Lucia Rodrigues, em trabalho apresentado em 2005, no I Colóquio do Laboratório de História Econômica e Social (UFJF/LAHES), “Negras Senhoras: o Universo Material das Mulheres Africanas Forras”, relata dois casos (1760 e 1779) cujos bens foram deixados para Irmandades Religiosas. Sem dúvida foi um caminho bastante percorrido.

Sheila de Castro Faria volta a este tema em “Sinhás Pretas: acumulação de pecúlio e transmissão de bens de mulheres forras no sudeste escravista séculos XVIII – XIX” (in Francisco Carlos Teixeira da Silva, Hebe Maria Mattos, João Fragoso (org), Escritos sobre História e Educação, Homenagem à Maria Yedda Leite Linhares, Mauad; FAPERJ, RJ, 2001).
Analisando testamento de 1776, Sheila Faria, escreve que senhoras, escravas e ex-escravas viviam juntas e “não era um arranjo incomum, pois várias outras pretas forras que conseguiram enriquecer após a alforria apresentaram um estrutura domiciliar muito semelhante, composta majoritariamente por mulheres, além de realizarem os mesmo investimentos: escravas, joias, casas e deixar como herdeiras essas mulheres”. Mas, repetimos, esta riqueza não era reconhecida como ascensão social, “posto que conquistada por suas próprias “indústrias” – às vezes na venda do próprio corpo e no roubo”, como entendido na época.

Havia, no entanto, uma condição legal. Continuo transcrevendo desta autora: “no sistema de herança do reino português e ainda vigente no Brasil imperial, para todos os proprietários de bens que faleciam e tinham herdeiros “necessários” ou “forçados”, era preciso abrir inventário para proceder à avaliação e à partilha dos bens. Caso não houvesse herdeiros, o Estado seria herdeiro. Os cônjuges eram meeiros e qualquer casamento em que não houvesse acordo pré-nupcial era considerado como de comunhão de bens”. Havendo testamento, este poderia ser entregue a pessoa de confiança, fora dos trâmites oficiais, que agiria conforme a vontade do defunto. Estas disposições encontram-se nas Ordenações Filipinas, que chegaram sob outras roupagens até nossa República.

A maioria destas forras não tinha filhos, mesmo as casadas. Talvez uma precaução para não ver seu filho escravo e afastado do convívio materno. Elas faziam, quase sempre, testamentos, o que era raro para forras de outras etnias, como do falar bantu, e assim fugiam do oneroso inventário.

Neste caminho, temos a dispersão testamentária e a transferência para Ordens Religiosas como razões  da descontinuidade da riqueza das mulheres africanas da Mina forras.
Tratemos de outra questão inquietante.

Thierry Meyssan, analista, escritor e fundador do blog Réseau Voltaire, em 16/08/2017 (Divergências no seio do campo anti-imperialista), assim descortina a atual ação da banca angloamericana: “Trata-se para o imperialismo de dividir o mundo em dois: de um lado uma zona estável que se beneficia do sistema, do outro um caos espantoso onde ninguém pense sequer em resistir, mas unicamente em sobreviver; uma zona na qual as multinacionais possam extrair as matérias primas, das quais precisam, sem terem que dar satisfações a ninguém”. A Líbia e o Iraque seriam dois exemplos; há uma governo fantoche, uma terra de ninguém e um gueto, onde é produzido o petróleo para as multinacionais.

Já estamos preparados com um Brasil oficial e um Brasil invisível para receber estes invasores. Na verdade, preparados desde a colonização portuguesa. Temos, então, outra pergunta: estarão os segmentos oficiais, os estamentos militares, jurídicos e econômicos atentos a estes fatos? Irão aceitá-los tão pacificamente como ocorreu nos golpes eleitorais de Fernando Collor e Fernando Cardoso ou no midiático-jurídico-parlamentar de 2016?

A vida e a fortuna das africanas forras no Brasil ainda terá muito que nos ensinar.

Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado 
==================================================================
             É CULPA DO PT, O PARTIDO DOS TIRADENTES

Há uma história mítica, que nos conta o poder dominante, e uma história saída dos fatos, pesquisadas, no mais das vezes com extremo lavor, por historiadores, antropólogos e outros cientistas.

A passagem da Idade Média, do feudalismo, para Idade Moderna, para o capitalismo, é um exemplo bastante interessante. Para os discípulos fieis ao poder dominante, a Idade Média, na Europa, é uma só, igual de ponta a ponta, com briosos cavaleiros (nem sempre cavalheiros) levando a justiça e a fé na ponta de sua lança.

Mas, se o latifúndio e a Igreja, esta no afirmar de Henri Pirenne “um grande poder financeiro”, assim se comportavam nas áreas hoje dominadas pela França, pela Bélgica, parcialmente pela Alemanha, Áustria, Itália e Espanha, isto não ocorria na Inglaterra ou em Portugal. Naquela ilha, desde a saída dos romanos, reis e nobres guerreiros escandinavos, saxões, normandos foram ocupando partes da Britânia e formando seus reinos ou condados, as vezes com extensões ao continente, até que, bem antes da Europa continental, celebraram um modus vivendi, as Magnas Cartas, no século XIII, que alguns pretendem ver o início da democracia (!).

Parodiemos a conhecida frase da peça de Julio Dantas (A ceia dos cardeais): emcomo é diferente a Idade Média em Portugal! Já começa com os Reis, no século XII, a expulsar os mouros, e a aristocracia que vai se formando já é subordinada ao rei. Como afirma a historiadora Sheila de Castro Faria, “o sistema feudal clássico, de modelo francês, não pode ser totalmente aplicado”....”a recuperação das terras ocupadas pelos muçulmanos fortaleceu o poder da Coroa, com o rei tornando-se o principal proprietário rural e doando terras aos aristocratas. .... Mais especial ainda foi o fato de o serviço militar ter se constituído em função remunerada”, quando na França era resultante de vínculos de fidalguia e outros tantos, nunca assalariados.

Detenhamo-nos nesta formação de classes no luso alvorecer capitalista, que vai marcar, mesmo com adaptações e configurações autóctones, o nosso País.

O Brasil surge – e toda expansão marítima – como a resposta política econômica de Portugal à depressão agrária que toma a Península Ibérica no século XIV. Recordemos que, até o século XV, as atividades comercial e industrial eram desenvolvidas nas cidades e havia rigorosa divisão de trabalho do campo agrícola, dos negócios, artes e ofícios urbanos.

A posição geográfica de Portugal favoreceu o comércio marítimo e, por leis,  impostos e regulamentos, o rei se fortalecia sobre a própria aristocracia. A Revolução de Avis (1383/1385) vai firmar o predomínio real sobre uma nobreza que apoiara o reino de Castela. Mas tal traição não causou mudança significativa na sociedade. Tínhamos esta formada pelo rei, os nobres, os comerciantes – a burguesia – e o povo miúdo. Escreve Sheila de Castro Faria uma observação da história de Portugal que muito marcará a sociedade brasileira, desde a colônia até nossos dias:”a burguesia portuguesa sempre aspirou ascender socialmente e adquirir o status da nobreza. Mantinha-se, assim, uma sociedade aristocratizada. Longe de querer destruir a nobreza, o grupo de mercadores enriquecidos aliava-se a ela e ao rei”. Não era o lugar para acontecer um 14 de julho de 1789.

Característica brasileira, não encontrada na sociedade portuguesa, foi o modo de produção escravista colonial, conceito do historiador Ciro Flamarion Cardoso.Sem qualquer sombra de dúvida a escravidão foi e permanece a grande agressão social e humana,a verdadeira tragédia da formação brasileira.

Desde o início, que não nos é apontado pela história oficial, a escravidão marcou as relações de trabalho. Começa pela escravidão indígena, muito mais disseminada do que nas narrativas do Poder. O índio brasileiro não era mão de obra formada para lavoura, no seu modo de vida coletor, caçador, guerreiro, deixava para as mulheres a agricultura. Mas a pouca informação estatística existente dá como índios, na Bahia, 90% dos escravos, em 1572, no engenho Sergipe do Conde. Também, na fase da extração do pau-brasil foi o índio o único trabalhador não assalariado. Nas referências que temos, a mão de obra negra toma o lugar do índio no final do século XVII, início do XVIII.

Também fora das histórias doutrinadoras, nas áreas disseminadas da ocupação de portugueses –as precárias condições no interior de Portugal impulsionavam a busca de vida melhor no Brasil – se desenvolveu um comércio de bens indispensáveis à sobrevivência. O Brasil não era apenas uma grande plantation a exportar produtos primários. O modo de produção era familiar e os que não constituíam família ou não conseguiam sucesso em acolhimentos formavam um intenso movimento entre os núcleos familiares e urbanos – futuros mascates e tropeiros. E as relações de parentesco estavamna base da acumulação e reprodução de riqueza. Podemos dividir, originalmente, a população deste Brasil Colonial nas famílias que trabalhavam a terra e aprisionavam índios que, posteriormente substituídos por negros, eram seus escravos, nos agregados familiares, nos andarilhos, em busca de boas condições de vida, nosrepresentantes da Metrópole –funções administrativas, judiciais, de polícia e defesa – e nos comerciantes, que serão os controladores do crédito. Nunca esquecer as irmandades religiosas, também disputandoesta função financeira.

Não me estenderei, por não ser o motivo, na dinâmica destas populações. Apenas uma citação da historiadora Sheila de Castro Faria: “a sociedade que se criou pode ser considerada aristocrática e bem hierarquizada,apesar de seus membros não terem títulos de nobreza” (A Colônia Brasileira, Editora Moderna, SP, 1997).

Os negócios com a Metrópole e a “solução africana” para mão de obra fizeram do capital mercantil o mais rentável, inserido na economia de mercado mundial, que teve sede no Brasil. Diferentemente do que divulgaram muitos historiadores, foi o capital brasileiro que dominou o tráfico negreiro e constituiu, com a economia interna já referida, um verdadeiro paraíso de rendas, fora das flutuações do mercado europeu. Contrariamente, ao lado das dificuldades naturais de um empreendimento agrícola e do custo dos escravos, a necessidade subjetiva de manter um fausto, incompatível muitas vezes com a renda dos negócios, fez a família proprietária rural, cume da aristocracia nacional, uma família,em diversassituações, empobrecida.

Ora, criou-se então nesta Terra de Santa Cruz um paradoxo capitalista: o ápice social era de um devedor, um empobrecido senhor rural, produtor do bem de exportação, que o comerciante, importador e exportador de commodity e de escravo, usufruía, sendo também um usurário mercador. Impossível não citar Charles Boxer (O império colonial português, Edições 70, Lisboa, 1981), o “mais abaixo na escala social do que os praticantes das sete artes mecânicas: camponeses, caçadores, soldados, marinheiros, cirurgiões, tecelões e ferreiros”  era,no Brasil Colônia, o homem rico, que mantinha o próprio “aristocrata”. E pior, no afã desta glória social, muitos comerciantes também conheceram a ruína.

Vê-se, portanto, que o “choque capitalista” não chegou ao Brasil, nem colônia, nem império, nem república. Mesmo o enriquecimento cedia socialmente o lugar e status privilegiado para uma aristocracia de soberba e vontades sem meios.

Mais uma vez transcrevo o excelente trabalho de Sheila de Castro Faria: “reconhecia-se sua riqueza, mas não se lhe invejava a posição. Por outro lado, ninguém via nada de mais na “aristocracia” proprietária de terras ou de bens mobiliários viver das rendas e da exploração dos escravos, sem nunca, na realidade, ter trabalhado”. “Ao próprio negociante se atribuía essa “impureza”: ao comerciante a retalho nunca foi permitido receber comendas ou títulos nobiliárquicos. Só aos que não “sujavam as mãos” se dava esse direito”.

Quão abominável deve ter sido para estas fumaças aristocráticas  encontrarem um operário na Presidência e, longe de por os pés pelas mãos, inaugurar uma nova e vitoriosa política de reerguimento da autoestima brasileira, interferindo nas relações internacionais como nunca antes o Brasil o fizera, e tirando 40 milhões de cidadãos da área da pobreza. E mais, aumentando a geração de emprego, retomando a posição de liderança na construção naval e em várias áreas da engenharia, acabando com a dívida externa e até emprestandodinheiro ao FMI e, o pior, construindo mais escolas técnicas do que em toda história do Brasil e abrindo para todos as portas das universidades.

Como esta classe média, orgulhosa de sua imprestabilidade, ignorante de seus próprios e mesquinhos saberes pode receber, em sua vida artificial e arrogante, uma pessoa que está abaixo dos vilipendiados comerciantes, na descrição de Boxer?

Esta classe que vive no artificialismo, que se orgulha de um greencard e não do passaporte brasileiro, que inveja um apartamento em Lisboa, mesmo menor e mais trabalhoso do que lhe seria possível no Rio de Janeiro ou em São Paulo, enfim que não ama seu país natal e se prontifica a vendê-lo para agradar ao seu senhor estrangeiro.

Temos nesta história a nossa própria desdita. Dentro do Brasil, um país,como denominado por Barbosa Lima Sobrinho, dos Joaquim Silvério dos Reis, bajulando os ricos e estrangeiros e traindo a alma brasileira. Este é um país que não deveria existir em nossa Nação, o país traidor, incapaz de entender o Partido dos Tiradentes, o partido dos nacionalistas, dos patriotas.

Porém, ainda há muito o que descobrir nesta história “dos olhares brancos” (apud Robert Slenes) que nos chegou como única, deformando nossa imagem de Nação, do Brasil. E assim compreender a dimensão das manifestações midiáticas, as injustificáveis decisões judiciais e esta apatia diante da retirada dos direitos trabalhistas e da violência contra índios, camponeses, mestiços e pobres e contra o próprio sentido de humanidade.

Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado

===================================================================

Temer, um brasileiro ou o silêncio das ruas


hare
Pedro Augusto Pinho*

“Declaro que sempre tive no estado de solteira e por fragilidade humana tenho três filhos de pais incógnitos a saber: Vicente exposto em casa de Antônio Rangel; Luiz exposto em casa de Pedro Soares de Moura; Manoel que o criou com assento no batismo de exposto em casa de Simão de Oliveira os quais ditos meus filhos os constituo por meus legítimos herdeiros” (1793).
Qual a história do Brasil que você conhece?
De modo geral, com a indolência intelectual que a concentração na luta cotidiana pela sobrevivência e a doutrinação do ensino colonizador impõem, a História do Brasil se moldou pelas pouquíssimas pesquisas de campo e pela cópia e interpretação, com “o olhar branco”, das narrativas dos viajantes estrangeiros. Para que não me acusem de parcialidade, são assim, por exemplo, trabalhos de Gilberto Freyre e Caio Prado Jr.
A partir de 1980, nova safra de historiadores, majoritariamente mestrandos e doutorandos de universidades públicas no Rio de Janeiro, saíram para pesquisar  e redescobriram o Brasil. Para nós, educados a pensar de modo diferente da nossa própria realidade, eles chegaram em ótima hora; pois ficaria difícil entender muitas atitudes populares e políticas com a percepção antiga; o conforto bíblico do “sempre foi assim”.
A transcrição, que inicia este artigo, de mulher que vivia do “comércio carnal”, está no Capítulo I: Família e Estabilidade – O Paradoxo do Movimento, da excelente tese de doutorado de Sheila de Castro Faria (A Colônia em Movimento, Editora Nova Fronteira, RJ, 1998). Nele quebra-se um tabu da dicotomia senhores e escravos no Brasil Colonial. Não que a escravidão, por quase quatro séculos aviltando as relações humanas no Brasil, tenha passado sem marcar profundamente nossa sociedade. Mas precisamos conhecer uma significativa população em movimento, onde “mudanças eram bastante rápidas. Ricos ficavam pobres; escravos viravam libertos; pobres ficavam mais ricos; pardos, filhos de pretos, podiam obter titulação militar; casados tornavam-se viúvos, migravam e recasavam; filhos saíam para outras paragens ou morriam”, enfim uma sociedade que de tão fluida, para imensos contingentes populacionais, perdia, no mais das vezes, a ideia do amanhã.
Como escreve Sheila Faria em sua conclusão: “era difícil que numa colônia, como o Brasil, se encontrassem “homens bons”, cujos antepassados não tivessem ligações com membros de outros grupos sociais. O comum era uma grande mestiçagem, para desespero dos analistas posteriores”. O que também não excluía uma estratificação social e a aspiração ao não-trabalho, herança da Europa feudal, que Charles Boxer denominou praticante das “artes mecânicas” (camponeses, caçadores, soldados, marinheiros, cirurgiões, tecelões, ferreiros – em síntese: trabalhadores) (O Império Marítimo Português, Edições 70, Lisboa, na reimpressão em 2017).
Se analisarmos o modo colonizador português, iremos encontrar muito mais um modelo de feitorias do que de ocupação emigrante. Por isso, creio eu, a presença da família real no Brasil causou pouca alteração na formação da sociedade. Diria, com certa ironia, que o desconforto era mútuo. Mas as pequenas autonomias foram fatais para o desvanecimento, para a insurgência de um movimento nativista e, em consequência,  para a formação de um nacionalismo conquistado, duradouro e profundo.
Quando D. João IV, o Restaurador, perguntou ao padre Antônio Vieira se deveria dividir a colônia Pará-Maranhão em dois governos, para facilitar a administração daquela grande área, o jesuíta desaconselhou pois “um ladrão num cargo público é mal menor do que dois” (!).
Boxer distingue no Império Colonial Português os seguintes grupamentos: a Coroa e seus representantes (civis e militares); a Igreja e suas ordens religiosas; os rentistas e adjudicantes dos monopólios do Estado; e os comerciantes e mercadores, em muitos empreendimentos a cargo dos desprezados e odiados cristãos-novos. E adverte que “o sistema de benefícios dos cargos públicos encorajava o governo desonesto e arbitrário”. Faltou, no entanto, a Boxer, como ocorreu com diversos outros estudiosos de nossa história, entender a significativa população “em movimento”, como denomina Sheila Faria, que, sem ela, não teríamos como entender a economia de subsistência, o comércio e sua logística entre as áreas urbanas e entre estas e as “plantations”.
Temos, sem que se generalize, as duas características que irão marcar, no inconsciente popular, os administradores em qualquer tempo: a corrupção e o arbítrio. E isto não será uma peculiaridade da função pública, pois como observava, em 1685, o capitão João Ribeiro, com serviços na Índia e no Ceilão, “o mal feito por um homem mau fica mais profundamente gravado na memória do que as coisas boas feitas por cem homens bons”.
A maioria das fortunas feitas na administração colonial e nos negócios privados não eram investidas em novos e desafiantes empreendimentos. Ela se dirigia para a compra de terras, casas, que produzissem “renda segura”, ou garantindo a vida extraterrena, em irmandades, missas e funções caridosas.
Examinemos estas lições da história no Brasil de hoje. A classe dos detentores do poder, com generalizada e atávica corrupção, e a burguesia, invejosa dos que não se obrigam ao “defeito mecânico”, agressiva e cruel com os trabalhadores. E para estas que se vendeu o “homem cordial”, o que recebe bem todo estrangeiro. Quanta ironia!
Vejamos outro estamento importante em nossa formação social: o religioso. Boxer tem um estudo específico – A Igreja e a Expansão Ibérica (1440-1770) (Edições 70, Lisboa, 2013, original inglês de 1978) – onde lemos sobre as características messiânicas, importadas e difundidas do sebastianismo luso. Coloco a frase de um capuchinho, em Boxer: “nem os turcos acreditam mais firmemente no seu Maomé, nem os judeus no seu Messias, nem os galeses no rei Artur, como os portugueses em geral acreditam no seu D. Sebastião”. Não se pense que a internalização dessas ideias morreram com Antonio Conselheiro. Elas estão vivas e politicamente estruturadas em nossos dias. O melhor exemplo é a Igreja Universal do Reino de Deus, do bilionário Bispo Macedo, com um partido político (Partido Republicano Brasileiro), que tem um Ministro e um Senador, 24 Deputados Federais, 37 Estaduais, 106 Prefeitos, 1619 Vereadores, um canal de televisão aberta, um jornal que, provavelmente, tem a maior tiragem nacional e milhares de igrejas em todo Brasil. A crença no demônio e no exorcismo poderão fazê-lo rir, caro leitor, mas está na mente de milhões de brasileiros. É um nada desprezível capital político, habilmente manipulado por cerca de um terço dos parlamentares federais brasileiros.
Sem a pretensão de traçar um quadro completo, acrescentaria mais um elemento que se torna, no Brasil do século XXI, de grande relevância: a justiça.
Anita Novinsky, das maiores senão nossa maior autoridade sobre a inquisição, escreve: “o principal objetivo dos inquisidores era o confisco, que lhes trazia o sustento do Tribunal e de seus funcionários, que constituía então a maior burocracia do país” (Inquisição: Prisioneiros do Brasil Séculos XVI a XIX, Editora Perspectiva, São Paulo, 2009).
Ronaldo Vainfas, dessa notável nova geração de historiadores, amplia a ação da inquisição para outras questões em que era chamada a justiça nos primórdios da organização social brasileira. E, assinala a característica que a moverá ao longo do tempo: dois pesos, duas medidas. Chama também a atenção para duas outras peculiaridades: a “legitimação de saberes unicamente derivados da cultura escrita” e o “esfacelamento das solidariedades comunitárias” (Trópico dos Pecados, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1997). Acrescentaria, para deixar bem nítida, a consequência destes quatro traços da nossa justiça: a elitização e o arbítrio.
Eis pois quadro que a história traça do poder em nossa sociedade, já antes mencionado: corrupção e arbítrio. E pergunto ao caro leitor, que expectativa, para não falar em esperança, as populações escrava e “em movimento” terão com os Setúbal, os Maciel, os Marinho ditando as direções que Meireles, Serra, Jucá e outras figuras e nem tanto decorativas conduzirão a Nação?
E para que não se diga que não falei de economia, transcrevo, dos historiadores João Fragoso e Manolo Florentino, da Introdução de seu livro – cujo título já é um libelo – O Arcaísmo como Projeto (Diadorim Editora, RJ, 1993):
“É inegável que, desde a abolição do tráfico negreiro (1850), ocorreram mutações estruturais na economia brasileira. Não seria difícil detectar, contudo, a manutenção de uma perversa diferenciação de renda, com a maior parte da população excluída do acesso à riqueza produzida. Basta comparar os padrões das décadas 1960 e 1970 com aqueles vigentes na passagem do século XVIII para o XIX: os inventários post-mortem dos homens livres revelam que, no Rio de Janeiro, mais ou menos a metade dos inventariados detinham em torno de 6% da riqueza, enquanto que os 10% mais ricos concentravam em suas mãos ao redor de 2/3 da mesma”.
O silêncio é a consequência desse processo educacional, denunciado por grandes brasileiros: Darcy Ribeiro, Paulo Freire, que estes donos do Brasil – sempre servis aos interesses coloniais, hoje da banca – caluniaram, difamaram e buscaram a criminalização. E a burguesia, que se denomina classe média, pensando que o poder e a riqueza se transmitem como gripe, apoiaram com suas panelas e roupas de palhaço.
E o estudo da história já não é obrigatório para os pedagogos da submissão, os golpistas de 2016.
*Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado

No comments:

Post a Comment